Padre Antônio Vieira: AMOR
E TEMPO Tudo cura o tempo, tudo faz...
AMOR E TEMPO
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba.
Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera !
São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar
pouco, que terem durado muito. São como as linhas, que partem do centro para a
circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os
antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que
chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o
desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas,
com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê que não via; e faz-lhe
crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença é
porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos,
enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas.
Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor ?! O mesmo amar é causa de não
amar e o ter amado muito, de amar menos.